quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Na Praia

Certamente já ouvimos a expressão “nasci na época errada”; sou uma dessas pessoas que em roda de amigos solta esse tipo de frase. Muitos de meus amigos concordam com a afirmação, devido a minha maneira de ser, pensar, de falar sobre, e, até mesmo, ouvir música. Na época em que vivemos, podemos encontrar um pouco de tudo de cada época, principalmente por conta de determinadas coisas que são imortalizadas com o tempo.

Nota-se certa magia por trás das décadas que cativam um determinado grupo de pessoas; existem pessoas que acreditam que certos anos foram os melhores, por exemplo, os anos 60. O início da década de 60 representou a realização de projetos culturais e ideológicos alternativos lançados na década de 50, conhecida por ser marcada por uma crise no moralismo rígido da sociedade. Podemos dizer que a década de 60, seguramente, não foi uma, foram duas décadas. A primeira, de 1960 a 1965, marcada por um sabor de inocência e utopia nas manifestações sócio-culturais. A segunda, de 1966 a 1968, em um tom mais ácido, revela as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos. Um dos maiores exemplos “dessas duas décadas” está na evolução dos Beatles.

Toda essa explicação foi para entender um ponto do compacto romance Na Praia (Companhia das Letras, 2007), de Ian McEwan. O ano? 1962, início das mudanças morais e de comportamento. Local? Um hotel na praia de Chesil, próximo ao Canal da Mancha. Mas para que? Uma linda e romântica noite de núpcias de Edward e Florence, que não dará muito certo. Ele é um rapaz recém-formado em história; sua mãe tem problemas mentais, e o pai é professor secundário. A noiva é uma violinista promissora, líder de seu próprio quarteto de cordas, filha de um industrial e de uma professora universitária de Oxford.

McEwan deixa claro, no primeiro parágrafo do livro, o que ele desenvolverá: "Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite, sua noite de núpcias, e viviam num tempo em que conversar sobre as dificuldades sexuais era completamente impossível." Ao longo da narrativa, em terceira pessoa, conhecemos o ponto de vista e as expectativas de Edward e Florence com relação à noite de núpcias. As expectativas são totalmente distintas, Edward sonha muito com sua primeira vez tanto adiada; já Florence tem a sensação de “repulsa física”, “horror visceral” e uma “náusea irremediável, tão palpável quanto um enjôo no mar” quando se trata apenas em pensar no ator sexual.

Interessante é o envolvimento que o autor consegue transmitir para o leitor com o clima de ansiedade crescente desenvolvido, quem lê sente como se fosse um espectador privilegiado ao desenvolver da história. Presenciamos a falta de assunto entre o casal durante um jantar constrangedor, na suíte nupcial, “observados” pelos dois garçons; ou as estratégias de Edward para conseguir seu objetivo maior em confronto com as táticas de Florence para atrasar cada vez mais este objetivo “natural” do casamento. Porém, essas táticas não ajudaram tanto a violinista a atrasar a consumação do casamento, ao contrário, cada vez mais Florence complicava sua situação perante Edwad, que acreditava que sua amada também desejava o mesmo que ele.

O romance articula um drama específico, intransferível, ao tema universal do momento de passagem da inocência ao conhecimento, ponto de inflexão do indivíduo, em todas as épocas. Nesse momento é que nasce o livro e sua idéia central. Mas, se Edward e Florence tivessem vivido em outra época – diferente dessa época inocente, e sofrendo transformações, em que estavam -, certamente não seria uma tragédia, e, sim, apenas mais uma história de amor. A história não terminaria da maneira que lemos, apenas teria mais um final feliz e óbvio no meio da literatura.

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